Possibilidade de dispensa de revisão de projeto de execução em projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus

Possibilidade de dispensa de revisão de projeto de execução em projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus

Enquadramento prévio

Conforme dispõe o artigo 18º da Lei n.º 31/2009 de 3 de julho, na sua atual redação: «Sempre que a obra a executar seja classificada na categoria iii ou superior, bem como naqueles casos em que o preço base, fixado no caderno de encargos, seja enquadrável na classe 3 de alvará ou em classe superior, o dono da obra pública deve garantir que o projeto de execução seja objeto de revisão por entidade devidamente qualificada para a sua elaboração, distinta do autor do mesmo

Por seu turno, o artigo 43º n.º 1 do CCP estabelece que «Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, o caderno de encargos do procedimento de formação de contratos de empreitada de obras públicas deve incluir um projeto de execução

Neste enquadramento e em perfeita harmonia com o artigo 18º  Lei n.º 31/2009 de 3 de julho na sua atual redação, prevê-se no n.º 2 deste artigo 43º, que:

«Quando a obra seja classificada, nos termos da portaria prevista no n.º 7, na categoria iii ou superior, bem como naqueles casos em que o preço base, fixado no caderno de encargos, seja enquadrável na classe 3 de alvará ou em classe superior, o projeto de execução referido no número anterior deve ser objeto de prévia revisão por entidade devidamente qualificada para a sua elaboração, distinta do autor do mesmo.»

Assim, a norma contem duas previsões, alternativas ou cumulativas entre si, relativamente às quais é estabelecida a obrigatoriedade de o projeto de execução ter de ser objeto de prévia revisão por entidade distinta do seu autor.

A primeira previsão refere-se aos casos em que a obra seja classificada na Categoria III ou superior, nos termos da portaria a que se refere o  n.º 7 do artigo 43º. Essa Portaria, é, atualmente a Portaria n.º 255/2023 de 7 de agosto (que revogou a Portaria n.º 701-H/2008 d2 29 de julho).

O artigo 11º “Categorias de obras” do Anexo I à Portaria/2023 de 7 de agosto, estabelece no respetivo n.º 1, o critério a que obedece a classificação por categoria «1 — As obras são classificadas em quatro categorias consoante a maior ou menor dificuldade da conceção e o grau de complexidade do projeto, nos termos definidos nos números seguintes e de acordo com o Anexo II à presente portaria, devendo a categoria a considerar ser definida pelo dono da obra». Concretizando-se as obras que se incluem na categoria III.

Por sua vez, o Anexo II à Portaria n.º 255/2023 de 7 de agosto, contem as especificação e concretização das categorias, por tipo de obra. A segunda previsão do artigo 43º n. º2 do CCP, em que a revisão de projeto é obrigatória, refere-se aos casos em que o preço base fixado no caderno de encargos, no âmbito do procedimento pré-contratual, seja enquadrável na classe 3 de alvará ou superior.

Atualmente as classes de alvarás encontram-se previstas na Portaria n.º 212/2022 de 23 de agosto.

A classe 3 de alvará  permite a realização de obras até 800.000€, sendo que para obras de valor superior a 400.000€, já será necessária essa classe 3. Significando que para obras de valor superior a 400.000€, torna-se obrigatória a revisão do projeto.

DL 108/2024 de 18 de dezembro

É neste enquadramento que surge o Decreto – Lei n.º 108/2024, de 18 de dezembro, e que vem prever a possibilidade de dispensa de revisão de projeto de execução em projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, como medida que flexibiliza o dever legal de revisão prévia do projeto de execução, previsto nos dispositivos acima referidos, e que se mantém, como decorre expressamente do sumário deste diploma, quando ali se prevê: «(..) por um lado, manter o dever legal de revisão de projeto de execução, mas por outro, conceder maior flexibilidade na execução de projetos financiados com recurso a fundos europeus (…)».

O respetivo artigo 1º do diploma estabelece o “Objeto e âmbito de aplicação”: «O presente decreto-lei aplica-se a todos os procedimentos de formação de contrato de empreitada de obras públicas sujeitos a dever de revisão prévia do projeto de execução, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual, e no n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, na sua redação atual, que se destinem à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, designadamente pelo Plano de Recuperação e Resiliência

Sobre este n.º 1, se por um lado fica claro que o âmbito de aplicação do diploma refere-se a projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, entre eles o Plano de Recuperação e Resiliência, por outro, subsiste a dúvida sobre a sua aplicação aos procedimentos já promovidos, ou ainda a promover pelas entidades adjudicantes, mas cujo financiamento ou cofinanciamento ainda não se encontre aprovado nas respetivas datas da decisão de contratar.

Por seu turno, o artigo 2º do diploma “Revisão do projeto de execução”, define os pressupostos que permitem a dispensa da revisão de projeto:

«1 — A entidade adjudicante pode, fundamentadamente, dispensar a revisão prévia do projeto de execução prevista no n.º 2 do artigo 43.º do CCP e no n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, na sua redação atual.

2 — Para efeitos do número anterior, a entidade adjudicante demonstra a existência de risco de não conclusão da empreitada dentro do prazo previsto no caderno de encargos e, consequentemente, de perda de financiamento com recurso a fundos europeus, caso o projeto de execução seja objeto de revisão prévia.

3 — A fundamentação de dispensa da revisão prévia do projeto de execução deve constar da decisão de contratar, fazendo-se referência a essa dispensa nas peças do procedimento de formação de contrato de empreitada de obras públicas

Assim, nos casos em que a entidade adjudicante pretenda a dispensa da revisão de projeto, fica obrigada a um especial dever de fundamentação na decisão de contratar (artigo 36º do CCP), traduzido na demonstração da «existência de risco de não conclusão da empreitada dentro do prazo previsto no caderno de encargos e, consequentemente, de perda de financiamento com recurso a fundos europeus, caso o projeto de execução seja objeto de revisão prévia», conforme n.º 2 deste artigo 2º.

Estará aqui em causa um exercício por parte da entidade adjudicante, nos termos do qual, deverá demonstrar que os prazos expectáveis, inerentes ao desenvolvimento e conclusão do (s) procedimento(s) aquisitivo (s) dos serviços de revisão de projeto – os quais irão variar em função do tipo de procedimento aquisitivo a promover (ajuste direto; consulta prévia; concurso público), acrescido do prazo para realização dos próprios serviços de revisão de projeto por parte do adjudicatário, poderá colocar em risco a não conclusão da empreitada dentro do prazo previsto no caderno de encargos.

Perspetivas subjacentes

A primeira consideração, será que este exercício tem necessariamente subjacentes duas perspetivas: a do prazo de execução da empreitada e a do prazo para elaboração dos serviços de revisão de projeto.

Na perspetiva do prazo de execução da empreitada, sendo este definido pela própria entidade adjudicante, irão certamente suscitar-se dúvidas na concretização, e sobretudo na credibilidade da demonstração a que se refere o n.º2 do artigo 2º. Com efeito, o procedimento aquisitivo para os serviços de elaboração de projeto, em regra já prevê ou pelo menos pode prever, o prazo pretendido pela entidade adjudicante para a execução da empreitada, cabendo ao projetista, dentro daquele prazo pretendido, elaborar o projeto de execução e os documentos técnicos que o integram, salvo, naturalmente, os casos em que esse prazo de execução definido pela entidade adjudicante se mostre manifestamente irrazoável ou até mesmo inexequível para a concreta obra pretendida, o que em princípio seria assinalado pelos concorrentes no âmbito do procedimento aquisitivo para a elaboração de projeto, e por conseguinte, passível de retificação em fase de formação de contrato, quanto a esse aspeto.

Neste contexto, será aconselhável, para efeitos de credibilidade da fundamentação de dispensa de revisão de projeto, que o prazo de execução da empreitada, seja definido com base em critérios técnicos objetivos fundamentados, designadamente, em função dos objetivos da obra e as suas características gerais, bem como o nível de complexidade.

Em qualquer caso, poderá (ainda) ser adequado, para efeitos da fundamentação exigida no n.º 2 do artigo 2º, o recurso à consulta preliminar ao mercado prevista no 35º-A do CCP, nomeadamente, para auscultar o mercado quanto ao prazo de execução da empreitada, sendo certo que nesta hipótese, a entidade adjudicante, terá de fornecer informação técnica suficiente, a aferir casuisticamente, designadamente contendo alguns documentos técnicos daqueles que integram um programa preliminar (artigo 2º da Portaria 255/2023 de 7 de agosto), de modo a que as respostas do mercado mereçam a devida credibilidade.

A responsabilidade na opção/decisão de dispensa de revisão de projeto

Será, no entanto, o disposto no n.º 1 do artigo 2º do diploma, que importará maior ponderação por parte das entidades adjudicantes na decisão de dispensa de revisão de projeto ao abrigo do diploma, uma vez que terá de ser conjugado com o disposto no respetivo sumário.

Na perspetiva do prazo de execução dos serviços de revisão de projeto, colocam-se idênticas questões relacionadas com a credibilidade da fundamentação. Também aqui, o prazo de execução destes serviços, ou o nível de exigência e densidade da revisão de projeto, em regra são, ou pelo menos podem ser, definidos pela entidade adjudicante.

Tudo converge para que possa ocorrer uma tentação por parte das entidades adjudicantes em alargar os prazos de execução, para além do adequado ou necessário, tanto da empreitada, como dos serviços de revisão de projeto, com vista a uma poupança de verba com a dispensa destes últimos, o que prima facie poderia ser entendido como uma boa prática de gestão de recursos públicos, mas que a jusante se poderá revelar uma opção perniciosa, ou pior.

Em comum às duas perspetivas, caso os prazos de execução sejam submetidos à concorrência no âmbito do critério de adjudicação adotado nos procedimentos pré-contratuais, questiona-se como poderá a entidade adjudicante proceder com algum rigor, à fundamentação exigida neste n.º 2 do artigo 2º do diploma.

Será, no entanto, o disposto no n.º 1 deste artigo 2º, que importará maior ponderação por parte das entidades adjudicantes na decisão de dispensa de revisão de projeto ao abrigo do diploma, uma vez que terá de ser conjugado com o disposto no respetivo sumário.

Recorda-se que nos termos do n.º 1: «A entidade adjudicante pode, fundamentadamente, dispensar a revisão prévia do projeto de execução prevista no n.º 2 do artigo 43.º do CCP e no n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, na sua redação atual.»

Donde resulta, que o recurso ao diploma para efeitos de dispensa de revisão de projeto, configura apenas uma faculdade da entidade adjudicante – o que se confirma no último parágrafo do sumário, contudo, acrescentando-se aqui, que essa essa faculdade é concedia à entidade adjudicante «sob a sua responsabilidade».

Ora, sendo o diploma recente (de 18.12.2024) naturalmente ainda não houve tempo para a devida ponderação, designadamente por parte da doutrina, sobre o que a expressão “sob a sua responsabilidade” pode e/ou deve comportar para a entidade adjudicante.

De facto, a revisão de projeto, imposta pelo artigo 43º n.º2 do CCP enquanto reapreciação da valia e viabilidade técnica de um projeto de execução realizada por um técnico distinto do seu autor, visa garantir rigor na elaboração de projetos, sendo que com este rigor, pretende-se a realização de objetivos vários de natureza preventiva, designadamente, de modo a mitigar, ou evitar, a ocorrência de erros e omissões de projeto, e a correspondente necessidade de realização de trabalhos complementares para o respetivo suprimento, frequentemente, acrescidos de prorrogação de prazo de execução, parcial, ou total, a este título, bem como, evitar prorrogações de suspensões de obra, parciais ou totais, designadamente, decorrentes de necessidade de alteração de projeto, ou seja, de um modo geral, pretende-se prevenir a harmonia e a regularidade na execução do projeto, tanto a nível de custos como de prazo de execução.

Ora, mediante o uso da faculdade – dessa opção – de dispensa de revisão do projeto pela entidade adjudicante, por estarem reunidos os pressupostos que o permite, suprime-se este patamar preventivo de controlo – cuja relevância o próprio diploma assinala no respetivo sumário como «salvaguarda da qualidade dos projetos» de modo a «garantir uma maior eficácia na fiscalização dos seus custos e prazos», e, por conseguinte, essa decisão deve ser devidamente ponderada, mormente em virtude do diploma não concretizar, minimamente, se e como, será aferida a responsabilidade da entidade adjudicante evidenciada no sumário, e quais as eventuais consequências, em caso de ocorrência das vicissitudes aludidas no ponto antecedente.

Importando referir a este propósito, que, a nível de responsabilidade fundada em título contratual, o artigo 378º n.º6 e 7 do CCP  prevê, no caso de erros e omissões que derivem do incumprimento de obrigações de conceção assumidas por terceiros perante o dono, o projetista seja responsabilizado até ao triplo dos seus honorários, salvo em caso de dolo ou negligência, caso onde este limite não se aplica.

Evidentemente tratam-se de situações totalmente distintas, mas a ser adotada a dispensa de revisão de projeto, poderá estar em causa uma responsabilidade por omissão, enquanto que no caso do dispositivo legal referido no ponto antecedente, está em causa uma responsabilidade por ação, mas neste caso com as respetivas consequências já previstas na lei.

Finalmente, o n.º 1 do artigo 3º do diploma, prevê uma norma transitória, estabelecendo que este aplica-se «ainda às situações em que já tenha sido celebrado um contrato de revisão prévia do projeto de execução e em que essa revisão não tenha sido concluída até à entrada em vigor do presente decreto-lei, podendo o contraente público decidir, de forma fundamentada, a dispensa da revisão prévia do projeto de execução».

Acrescentando o n.º 2 deste artigo 3º, que «O disposto no número anterior não prejudica a aplicação das disposições gerais do CCP, designadamente em matéria de trabalhos a menos, modificação objetiva ou extinção do contrato, consoante as obrigações contratuais que tenham sido assumidas entre o contraente público e a entidade revisora do projeto de execução.»

A norma refere-se às situações em que revisão de projeto já foi contratada, mas não tenha sido concluída até à data da entrada em vigor do diploma, caso em a entidade adjudicante, fundamentadamente, poderá optar pela dispensa da revisão de projeto. Esta fundamentação, em princípio, será a mesma que é exigida no n.º 1 do artigo 2º do diploma.

O n.º 2 deste artigo 3º fornece exemplos de figuras jurídicas previstas no CCP a que o contraente público poderá recorrer no âmbito da prestação de serviços de revisão de projeto já contratada, e em execução, e que agora pretende extinguir por inutilidade, em virtude da tomada de opção pela dispensa da revisão de projeto.

Entre os exemplos fornecidos pela norma, consta a alusão ao recurso a “trabalhos a menos”. Esta possibilidade, prevista no artigo 379º a 381º do CCP, aplicável com as necessárias adaptações, a contratos de prestação de serviços por via remissiva do artigo 454º do CCP, s.m.o, apenas será aplicável aos casos em que no âmbito do mesmo contrato, tenham sido contratadas mais do que uma revisão de projeto, de outro modo, dificilmente se conceberá de que modo, e com que utilidade, se poderá ordenar a supressão de parte de um serviço de revisão de um único projeto de execução.

Os demais exemplos fornecidos pela norma, referem-se à possibilidade de extinção do contrato, e cujos fundamentos possíveis, encontram-se previstos  no artigo 330º do CCP, e ainda a modificação objetiva do contrato, regulada pelos artigos 311º a 315º do CCP.

Artigo de autoria do advogado Nuno Oliveira Antunes

 

Mais em Comunicação