Segurança dos cuidados de saúde e Responsabilidade Civil do Estado: aprisionamento e domínio da culpa? (versão jurídica) Ler mais
O prazo de garantia (mínimo) dos bens móveis (novos)
O prazo de garantia (mínimo) dos bens móveis (novos) a partir de 1 de janeiro de 2022: um caso de alteração (tácita) do Código dos Contratos Públicos pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro
Como é sabido, o Código dos Contratos Públicos (CCP) estabelece o seguinte nos seus artigos 441.º, n.º 3, e 444.º, n.º 1, em sede de regime substantivo aplicável aos contratos administrativos de aquisição de bens móveis por contraentes públicos:
«Artigo 441º
Conformidade dos bens a entregar
[…]
- É aplicável, com as necessárias adaptações, aos contratos regulados no presente capítulo o disposto na lei que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas no que respeita à conformidade dos bens com o contrato.»
«Artigo 444º
Obrigações do fornecedor em relação aos bens entregues
- É aplicável, com as necessárias adaptações, aos contratos regulados no presente capítulo o disposto na lei que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas no que respeita à responsabilidade e obrigações do fornecedor e do produtor e aos direitos do consumidor.
(…)
- Para além das obrigações que resultam para o fornecedor do disposto nos números anteriores, pode o contrato estipular uma obrigação de garantia, cujas condições concretas, designadamente as respeitantes ao respectivo prazo e às obrigações do fornecedor, são fixadas no contrato, sendo aplicável nesta matéria o disposto na lei a que se refere o n.º 1.
- O prazo da garantia a que se refere o número anterior não deve exceder dois anos, podendo ser superior quando, tratando-se de aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos, o fornecedor o tenha proposto.»
Sumariamente, tais remissões do legislador do CCP para o Direito do Consumo (para a «lei que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas») tiveram o propósito de conferir às entidades públicas a mesma tutela que qualquer outro consumidor tem no âmbito de contratos de compra e venda celebrados entre consumidores e profissionais. Dito de outro modo: o legislador do CCP entendeu que o Direito do Consumo continha um conjunto de regras adequadas à proteção do interesse público das entidades adjudicantes, quando estas celebram contratos públicos de fornecimento de bens móveis, e fê-lo de um modo absolutamente compreensivo: remetendo em bloco para o regime da «lei que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas», ainda que «com as necessárias adaptações. Por isso, é de entender que “as remissões operadas pelo CCP, neste caso, o são claramente a título de remissão dinâmica ou formal, e não estática ou material, com a consequência principal desse tipo de remissão: as alterações às normas objecto da remissão são, em princípio, aplicáveis também nos casos aos quais a remissão se aplica” (nesse sentido, Miguel Assis Raimundo, O Estado-consumidor: reflexos improváveis do Direito dos Contratos Públicos no Direito do Consumo, in “Estudos sobre Contratos Públicos”, 2010, AADFL, p. 115) o que neste caso tem consequências práticas relevantes: é aplicável aos contratos administrativos de fornecimento de bens móveis celebrados pelas entidades adjudicantes o regime constante da «lei que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas» que em cada momento esteja em vigor.
Assim, até 31.12.2021, a «lei que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas» foi o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril. Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, com efeitos a 01.01.2022 (cfr. artigo 55.º). Vale o mesmo que dizer que desde 01.01.2022 que a «lei que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas» para a qual remete o CCP é o Decreto-Lei n.º 84/2021.
Uma das principais alterações trazidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2021 é o prazo de garantia mínimo dos bens móveis novos objeto dos contratos de fornecimento: o Decreto-Lei n.º 67/2003 especificava dois anos (cfr. artigos 5.º, n.º 1), ao passo que o Decreto-Lei n.º 84/2021 prevê três anos (cfr. 12.º, n.º 1).
Em nosso entendimento, esta alteração do Decreto-Lei n.º 84/2021 implica, desde 01.01.2022, uma alteração tácita do n.º 4 do artigo 444.º do CCP: onde se lê «dois anos» deve ler-se «três anos». Com efeito, a indicação de que o prazo da garantia «não deve exceder dois anos» [se o prazo de garantia não constituir um aspeto submetido à concorrência: ou seja, caso se pretenda um prazo de garantir superior, o mesmo tem de corresponder a um fator ou subfactor do modelo de avaliação de propostas, i.e., tem de ser submetido à concorrência, não podendo, portanto, ser exigido – como aspeto não submetido à concorrência – um prazo de cinco anos, por exemplo] deve ser atualisticamente interpretada, à luz das diversas remissões dinâmicas ou formais (441.º, n.º 3, e 444.º, n.º 1) que o CCP faz para a (nova) «lei que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas» (o Decreto-Lei n.º 84/2021), devendo desta forma entender-se que aquele prazo de garantia mínimo passou, desde 01.01.2022, a ser de três anos. É que, em rigor, a previsão dos «dois anos» contida na letra do n.º 5 do artigo 444.º do CCP é, sem qualquer dúvida, feita no pressuposto de que era essa a garantia prevista no Decreto-Lei n.º 67/2003 (em vigor à data da publicação o CCP); mudando essa regra, muda o próprio CCP, sob pena de se perder a coerência no sistema, pois passaríamos a ter prazos de garantia diferentes (no n.º 5 do artigo 444.º do CCP, por um lado, e no n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 84/2021, por outro lado) quando claramente o legislador quis e continua a querer (como as remissões dos artigos 441.º, n.º 3, e 444.º, n.º 1, do CCP o comprovam de forma impressiva) que haja alinhamento nesta matéria entre o Direito da Contratação Pública e o Direito do Consumo.
(destaques nossos)
Lisboa/Funchal, fevereiro de 2022
Mais em Comunicação
- Aniversário
- Actualidade Ibérica
- Anuário
- Feminino
- Advocacia
- Iberian Lawyers
- Labour Awards
- Covid-19
- Coronavírus
- Comunicado
- 10 Anos
- BAS
- Sociedade
- Orçamento de Estado
- Contratos
- Aquisição de Serviços
- Lei
- Faturação Eletrónica
- Medidas excecionais
- Leaders League
- Stress
- Saúde mental
- Lay-Off
- Employment
- Beneficiário Efetivo
- Forty Under Forty
- Livro
- Tese de Doutoramento
- SNS
- Hospitais
- Escolas
- CNPD
- Administração Pública
- Alterações
- Código Laboral
- reforço
- Almedina
- Labour
- Idealista
- APMEP
- Serviço Nacional de Saúde
- Invest Lisboa
- OIT
- Organização Internacional do Trabalho
- Direitos do Homem
- Direito Público
- RCBE
- sociedades
- pessoas coletivas
- Videovigilância
- Privacidade
- Dados Pessoais
- Expo Real
- Código do Trabalho
- Código de Trabalho
- Políticas Públicas
- Dados Pessoais de Menores
- Real Estate 2020
- Economia
- Contratação Publia
- Life Sciences
- RGPDI
- Direito Familiar
- M&A
- Prémios
- Código dos Contratos Públicos
- CECA Magan
- Espanha
- Pós-pandemia
- Public Law
- Recrutamento
- Secretariado
- Forense
- Legal secretary
- Combustíveis
- SUSTENTABILIDADE
- CCP
- Litigation
- rankings e prémios
- Direito da Medicina
- awards
- Direito Privado
- Direito do Ambiente
- revisão de preços e de adjudicação
- ranikings
- institucional
- Sociedades de Advogados
- Direito Emprego Público
- Protecção de Dados
- Employment Law
- ranikings-2
- Código Contratos Públicos
- Pagamento por Conta
- Estágios
- Pessoas com Deficiência
- Nações Unidas
- Direito Fiscal
- Direito da Concorrência
- Direito Civil
- Direito Penal
- Teletrabalho
- Direito
- IRC
- Impostos
- Ensino à Distância
- Arrendamento
- Ajuste direto
- Press
- Idosos
- Lockdown
- Erro Médico
- Lay-Off Simplificado
- Formação
- Global Business
- Lei laboral
- Alterações ao Código do Trabalho
- Direito do Trabalho e da Segurança Social
- Era Digital
- Congresso Europeu
- Gig Economy
- Relações coletivas
- Jornal de Negócios
- Retoma
- Fundos Europeus
- Orçamento
- Direito Comercial
- Forty under 40
- Profissionais de Saúde
- Negócios
- Procedimentos Administrativos
- compromissos plurianuais
- Líderes
- Pandemia
- Estado de Emergênia
- Laboral
- Legalline
- Estado
- conferência
- Madeira
- Branqueamento de capitais
- Trabalho
- Smart Work
- Tecnologias
- Consulta Prévia
- Direito da Saúde
- EELA
- Europa
- curso
- Faculdade de Direito
- Rendimento Mínimo
- Estudantes
- Estagiários
- Futebol
- Caixa Geral de Aposentações
- Acidente de serviço
- Alta Médica
- Indemnização
- In-Lex
- Alojamento Local
- cidades
- Turismo
- Contencioso
- Guia
- Iberian Lawyer
- Contencioso Administrativo
- Direito Administrativo
- Segurança
- Direito Laboral
- Segurança Social
- Emprego Público
- Direito Imobiliário
- Feiras
- Congresso
- Dispositivos Médicos
- Medicamentos
- Publicidade
- Internacional
- Imobiliário
- Proteção de Dados
- UE
- Saúde
- Direito do Trabalho
- Diretórios
- Best Lawyers
- Portugal
- Contratação Pública
- UEFA
- Desporto
- Direito do Desporto
- Paris
- Segredo Profissional
- Sigilo
- MIPIM
- SIGI
- REIT
- Gestão Imobiliária
- Real Estate
- Chambers
- Diretório
- Emprego
- Emails
- Marketing
- Revista
- Publicação
- Atividade
- Atuação
- Golden Visa
- Ranking
- Recursos humanos
- Redes Sociais
- Imigração
- Investimento Estrangeiro
- Visa Gold
- Igualdade
- Homem
- Mulher
- Salário
- Remuneração
- ICLG
- Contencioso Civil
- equipa
- Workshop
- Football
- Chambers Europe
- RGPD
- Ciência
- Investigação Científica
- Investigação Clínica
- Menores
- Crianças
- Propriedade Industrial
- Moçambique
- EU Business Iberian Awards
- Jornal Económico
- Direito Societário
- Trabalhadores Independentes
- Direitos Humanos das Mulheres
- Direitos Humanos
- Mulheres
- Imprensa
- Advogar
- Prémio
- Direito das Ciências da Vida
- Infarmed
- Helpo
- Solidariedade
- Responsabilidade Social
- Advocatus
- webinar
- Direito da Segurança Social
- Advogados
O conceito de Entidades Beneficiárias para efeitos do quadro legal aplicável à publicidade a medicamentos e dispositivos médicos Ler mais
Critérios de desempate na revisão do CCP Ler mais
“Engaging and terminating managing directors in Europe Ler mais
Alterações promovidas ao Código de Trabalho Ler mais
Alteração ao Código dos Contratos Públicos Ler mais
“O Direito da Saúde e a realização da pessoa” Ler mais
Cessação de vigência de Decretos-Lei relacionados com a COVID19 Ler mais
CELIA ALLIANCE publica artigo da BAS sobre Portugal Ler mais
“Whistleblowing” alerta empresas a partir dos 50 trabalhadores Ler mais
Novo Decreto-Lei n.º 73/2021 de 18 de agosto Ler mais
Transformação transfronteiriça de sociedades RL e proteção dos credores Ler mais
Novo entendimento do que são “despesas com pessoal” e consequências Ler mais
Regime excecional e temporário de revisão de preços e de adjudicação Ler mais
Cessação de vigência de leis publicadas no âmbito da pandemia da doença Covid-19 Ler mais
Regime fiscal dos criptoativos previsto na proposta de lei do OE 2023 Ler mais
Margens máximas na comercialização de combustíveis Ler mais
As “modificações de minimis” no âmbito das prestações complementares Ler mais
Notas sobre inibições para o exercício do comércio: velha tradição e recente evolução Ler mais
Regime excecional e temporário de revisão de preços e de adjudicação Ler mais
Sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção) de 16.11.2017, processo n.º 0935/17, relatora: Teresa de Sousa Ler mais
Subdelegação nos conselhos de competência para autorização de compromissos plurianuais Ler mais
Comentários ao Código dos Contratos Públicos Ler mais
Encarregado Proteção Dados de entidades públicas Ler mais
Actualização extraordinária do preço dos contractos de aquisição de serviços com duração plurianual Ler mais
Novos limiares europeus aplicáveis aos contratos públicos Ler mais