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Regime fiscal dos criptoativos previsto na proposta de lei do OE 2023
Regime fiscal dos criptoativos previsto na proposta de lei do OE 2023
Os criptoativos são representações digitais de ativos baseados em tecnologia blockchain (tecnologia que permite o registo distribuído de transações eletrónicas) não emitidas por um banco central, instituição de crédito ou instituição de moeda eletrónica. Podem ser usadas como forma de pagamento numa comunidade que o aceite ou ter outras finalidades, como a atribuição do direito à utilização de determinados bens e serviços ou a um retorno financeiro.
Numa altura em que começam a surgir as primeiras transações imobiliárias com criptomoeda (em maio de 2022 foi transacionado o primeiro imóvel em criptomoeda – 3 bitcoin, cerca de 110 mil euros – feita através de permuta, ocorrendo a troca do ativo digital pelo direito ao imóvel sem qualquer conversão prévia em euros), o legislador vem, através da proposta de lei do orçamento geral do Estado para 2023, apresentar o enquadramento fiscal que preconiza para os criptoativos.
Até agora, Portugal tem sido considerado um país “crypto-friendly” não por virtude de um regime que concretamente criasse uma tributação favorável dos rendimentos decorrentes de operações com estes ativos, mas em função da ausência de regulamentação.
Por parte da Autoridade Tributária, foram produzidas até ao presente, duas fichas doutrinárias em resposta a pedidos de informação vinculativa (Ficha Doutrinária n. 1490 com despacho de 1/4/2019 e Ficha Doutrinária 5717/2015 com despacho de 27/12/2016), onde se analisa a questão concreta da alienação de criptomoeda ao nível das pessoas singulares e onde se conclui que “a venda de criptoativos não é tributada face ao ordenamento fiscal português a não ser que pela sua habitualidade constitua uma atividade profissional ou empresarial do contribuinte, hipótese em que será tributada na categoria B”.
Uma das novidades da proposta de lei do Orçamento Geral de Estado para 2023 é, pois, a criação de um enquadramento legal específico para a tributação dos criptoativos, que abrange o IRS o IRC, Imposto de Selo e o IMT.
Tributação em IRS
No que respeita ao IRS, a proposta legislativa estabelece um regime de tributação sobre ganhos e rendimentos de criptoativos, distinguindo as situações de compra e venda destes ativos – que integra na categoria G, de outras operações relacionadas com os mesmos e que se considera gerarem rendimentos no âmbito de uma atividade profissional ou empresarial, e como tal integrados na categoria B.
A noção de criptoativos surge no âmbito da categoria G, e segue de perto a adotada pelo Banco de Portugal estabelecendo-se que consiste “em toda a representação digital de valor ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente, recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outro semelhante”.
A tributação na categoria B – operações de emissão criptoativos e validação de transações
Assim, os rendimentos que resultem das operações relacionadas com a emissão de criptoativos, incluindo a mineração ou a validação de transações de criptoativos através de mecanismos de consenso, passarão a ser considerados rendimento empresarial e profissional, tributados enquanto tal, ou no regime simplificado, quanto aos contribuintes que cumpram os respetivos pressupostos, ou no regime de contabilidade organizada. Para a primeira hipótese, a proposta de lei estabelece que o coeficiente atendível é de 0,15 o que significa que 15% do rendimento auferido ficará sujeito a tributação às taxas gerais progressivas previstas pelo art. 68º do Código do IRS, não sendo como é típico do regime simplificado, dedutíveis as despesas efetivamente incorridas para a obtenção do rendimento tributável. No regime de contabilidade organizada, ao valor integral dos rendimentos serão dedutíveis as despesas efetivamente incorridas para a obtenção do mesmo e a diferença sujeita a imposto também de acordo com as taxas constantes do já referido art. 68º.
A tributação na categoria G – transmissão onerosa
No que respeita à compra e venda de criptoativos que não constituam valores mobiliários (questão que se afere causticamente utilizando os critérios definidos no art. 1º do Código de Mercado dos Valores Mobiliários), a sua tributação far-se-á no âmbito da categoria G, entre as mais valias definidas no art. 10º do código do IRS.
Aqui a proposta distingue desde logo, os ganhos de curto prazo, respeitantes aos ativos detidos há menos de 365 dias, estabelecendo que a diferença entre o valor de realização (valor de mercado à data da alienação) e o valor de aquisição (ao qual será possível deduzir despesas inerentes à aquisição) líquidos da parte qualificada como rendimentos de capitais, serão tributados à taxa fixa de 28%, com a possibilidade de o sujeito passivo optar pelo englobamento destes rendimentos, sujeitando-os assim às taxas gerais progressivas prevista pelo Código do IRS.
Ao contrário do que vai passar a acontecer com as mais valias decorrentes da alienação de valores mobiliários e partes de capital para os contribuintes do último escalão do IRS, em que o englobamento é obrigatório, no caso das mais-valias realizadas com criptoativos o englobamento mantem-se facultativo. A possibilidade de reportar eventual saldo negativo apurado num determinado ano, nos cinco anos subsequentes, está prevista, e condicionada ao englobamento.
Já quanto aos ganhos de longo prazo decorrentes de ativos alienados detidos por mais de 365 dias, a proposta de lei vem consagrar uma isenção de tributação, considerando-se para efeitos de contagem deste período de detenção, também os adquiridos antes de 1 de janeiro de 2023.
A proposta de lei prevê ainda no âmbito deo Código do IRS, que as pessoas singulares, coletivas ou outras entidades mesmo que sem personalidade jurídica, que prestem serviços de custódia e administração de criptoativos ou a gestão de plataformas de negociação, comuniquem à AT as operações efetuadas com a sua intervenção relativamente a qualquer sujeito passivo.
Tributação em IRC
No que respeita ao IRC, a proposta de lei prevê que os rendimentos de atividades relacionadas com criptoativos, emissão ou a validação de transações através de mecanismos de consenso, sejam considerados como atividades comerciais sujeitas a tributação, e no âmbito do regime simplificado o coeficiente estabelecido é o mesmo que o previsto para o IRS, ou seja, de 0,15, aplicável ao rendimento que não seja considerado rendimento de capitais, nem resulte do saldo positivo das mais e menos valias e de outros incrementos patrimoniais.
Tributação em Imposto de Selo
A proposta de lei do orçamento de Estado para 2023 prevê a tributação em Imposto de Selo das transmissões gratuitas que tenham por objeto os criptoativos. A taxa a aplicar será de 10% e o valor tributável é determinado de acordo com i) as regras especificas prevista no código de Imposto de selo, ii) pelo valor da cotação oficial quando exista; iii) pelo valor declarado pelo cabeça de casal ou pelo beneficiário, devendo tanto quanto possível, aproximar-se do valor de mercado, sem prejuízo da possibilidade da AT corrigir divergências que fundamentadamente considere existirem entre o valor declarado e o valor de mercado, determinando nesse caso, o valor tributável com base no valor de mercado.
Estabelecem-se regras de territorialidade consagrando que se consideram situadas em território nacional operações com criptoativos depositados em instituições com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em Portugal, ou não se tratando de criptoativos depositados, nas sucessões por morte quando autor da transmissão tenha domicílio em território nacional e, nas restantes transmissões gratuitas, quando o beneficiário tenha domicílio em território nacional.
Segundo a proposta lei em análise, ficarão também sujeitas a Imposto de Selo à taxa de 4%, as comissões e contraprestações no âmbito da prestação de serviços de criptoativos cobradas por ou com a intermediação de entidades com domicílio em Portugal, ou sempre que o cliente destas entidades tenha registado em Portugal o seu domicílio.
O encargo do imposto recai sobre o cliente dos prestadores de serviços de criptoativos, e determinam, neste caso, as regras de territorialidade que o imposto será devido sempre que o prestador de serviços ou o cliente desses serviços, seja domiciliado em Portugal, considerando-se domicílio a residência, sede, direção efetiva, filial, sucursal ou estabelecimento estável.
Relevância em sede de IMT
Quanto às alterações ao Código do IMT, de salientar que a proposta da lei do OGE para 2023, vem esclarecer que o valor dos criptoativos dados em troca (determinado nos termos do Código do Imposto de Selo) deve ser considerado para efeitos do apuramento do valor do ato ou contrato sujeito a IMT, relevando aqui o valor da respetiva cotação oficial sempre que exista, ou o seu valor de mercado.
Em traços gerais, eis aqui a proposta de tributação através da qual, segundo o legislador, se pretende conferir segurança e certeza jurídica às operações que envolvam criptoativos e ao mesmo tempo fomentar a criptoeconomia. O tempo e aplicação prática demonstrarão se serve o propósito de fomentar a economia digital, por agora diremos apenas que na vertente de compra e venda de criptoativos, considerando a isenção de tributação em IRS aplicável aos ganhos de longo prazo, Portugal mantém com este regime alguma atratividade.
Vera Calheiros, Of Counsel da BAS – Sociedade de Advogados
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