Acordo de empresa à lupa

A transmissão de uma empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica e os direitos dos trabalhadores. O que mudou com esta nova lei? Pedro Madeira de Brito, advogado e sócio da BAS, responde.

Foi recentemente publicada a Lei n.º 14/2018, de 19 de março, que altera o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento e reforça os direitos dos trabalhadores, procedendo à décima terceira alteração ao Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, alterando os respetivos artigos 285.º, 286.º, 394.º, 396.º e 498.º, e aditando um novo artigo 286.º-A.

Do conjunto de artigos do Código do Trabalho alterados ou introduzidos pela referida Lei resultam duas importantes alterações legislativas:

a) Modificações quanto aos procedimentos a respeitar aquando da transmissão de empresa ou estabelecimento;

b) Consagração do direito de oposição do trabalhador à transmissão da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho para a entidade transmissária da empresa ou estabelecimento;

c) Previsão da possibilidade de resolução com justa causa do contrato de trabalho.

 

O que mudou?

As modificações em relação aos procedimentos são as seguintes:

a) A possibilidade de os trabalhadores afetados designarem uma comissão representativa (comissão ad hoc), com o máximo de três ou cinco membros consoante a transmissão abranja até cinco ou mais trabalhadores, nas situações de inexistência de representantes dos trabalhadores (comissões de trabalhadores, as associações sindicais, as comissões intersindicais, as comissões sindicais, os delegados sindicais) (artigo 286.º, n.ºs 6 e 7, com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março);

b) A obrigatoriedade de o transmitente e o adquirente, para além de deverem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, deverem agora informá-los igualmente sobre o conteúdo do próprio contrato transmissivo celebrado entre o transmitente e o adquirente (artigo 286.º, n.º 1, com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março);

c) A possibilidade de a informação referente ao conteúdo do contrato não ser prestada ou ser qualificada como confidencial, pelo transmitente ou pelo adquirente, de modo fundamentado e por escrito, com base em critérios objetivos, assentes em exigências de gestão, circunstâncias que poderão ser impugnadas pela estrutura de representação dos trabalhadores, nos termos previstos no Código de Processo do Trabalho (artigos 286.º, n.º 1, com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, e 412.º e 413.º);

d) A obrigatoriedade de o empregador transmitente informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral (ou seja, a ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho) do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente e de todos os elementos que constituem a unidade económica transmitida (enquanto “conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”), quando se trate de média ou grande empresa, ou mediante pedido daquele serviço no caso de micro ou pequena empresa (artigo 285.º, n.ºs 8 e 9, com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março);

e) Neste caso, a informação referente ao conteúdo do contrato poderá também não ser prestada ou ser qualificada como confidencial, pelo transmitente ou pelo adquirente, de modo fundamentado e por escrito, com base em critérios objetivos, assentes em exigências de gestão, circunstâncias que poderão ser impugnadas pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, nos termos previstos no Código de Processo do Trabalho (artigos 286.º, n.º 8, al. b), com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, e 412.º e 413.º);

f) A possibilidade de qualquer uma das partes envolvidas (transmitente, transmissário, trabalhadores e respetivos representantes) poderem solicitar ao serviço competente do ministério responsável pela área laboral (que, neste caso, será a Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho) a participação na negociação, com vista a promover a regularidade da sua instrução substantiva e procedimental, a conciliação dos interesses das partes, bem como o respeito dos direitos dos trabalhadores (artigo 286.º, n.º 5, com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março);

g) A atribuição ao referido serviço competente do ministério responsável pela área laboral, designadamente, das faculdades de advertir o empregador caso entenda existir irregularidade da instrução substantiva e procedimental, e, se a mesma persistir, de fazer constar essa menção da ata das reuniões de negociação (artigos 286.º, n.º 5, com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, e 362.º, n.º 2);

h) A possibilidade de qualquer uma das partes envolvidas (transmitente, transmissário, trabalhadores e respetivos representantes), assim como o serviço competente do ministério responsável pela área laboral (que, neste caso, será a DGERT – Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho), poderem solicitar aos serviços regionais do emprego e da formação profissional e da segurança social a indicação das medidas a aplicar, nas respetivas áreas, de acordo com o enquadramento legal das soluções que sejam adotadas (artigos 286.º, n.º 5, com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, e 362.º, n.º 3);

i) A obrigatoriedade de a transmissão apenas poder produzir os seus efeitos decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa (nas situações de inexistência de representantes dos trabalhadores: comissões de trabalhadores, as associações sindicais, as comissões intersindicais, as comissões sindicais, os delegados sindicais), se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo sobre as medidas a aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão ou o termo da consulta para esse efeito (artigo 286.º, n.º 7, com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março); e, finalmente,

j) A obrigatoriedade de o transmitente informar imediatamente os trabalhadores abrangidos pela transmissão do conteúdo do acordo ou do termo da consulta, caso não tenha havido intervenção da comissão representativa (artigo 286.º, n.º 8, com a redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março).

 

Principais alterações

Do ponto de vista substantivo, a nova Lei veio consagrar:

a) um direito de oposição do trabalhador à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho; e

b) um direito do trabalhador à resolução com justa causa do contrato de trabalho, na sequência da transmissão, que lhe confere o direito a uma compensação pela cessação do contrato.

No que especificamente respeita à consagração de um direito de oposição do trabalhador à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, vertida no artigo 286.º-A, n.º 1, aditado ao Código do Trabalho pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, o mesmo depende da invocação de um prejuízo sério, sendo que, a título exemplificativo, o legislador fornece no n.º 1, do artigo em referência, duas situações em que o conceito indeterminado se poderá concretizar:

a) Quando exista manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente; e

b) Quando a política de organização do trabalho do adquirente não merecer a confiança do trabalhador.

De acordo com a redação da Lei n.º 14/2018, de 19 de março, para os artigos 394.º, n.º 3, al. d), e 286.º-A, n.º 1, o trabalhador poderá ainda passar também a recorrer ao mecanismo da resolução com justa causa do seu contrato de trabalho, promovendo a respetiva cessação mediante a invocação dos mesmos fundamentos da oposição “em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.ºs e ou 2 do artigo 285.º com os mesmos fundamentos da oposição à transmissão.

 

Conceito de unidade económica

Interessa ainda dar nota que foi alterado o conceito de unidade económica que deixa de ser “o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória” para passar a ser “o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”.

É sabido que o conceito de unidade económica tem origem nos desenvolvimentos das jurisprudências do Tribunal de Justiça da União Europeia obtidos no contexto do regime europeu da transmissão da empresa. Contudo, esta alteração parece compaginar-se mal com o Direito da União Europeia na medida em que parece exigir cumulativamente que a unidade produtiva tenha autonomia técnico-organizativa e identidade própria (cfr. artigo 1.º, nº 1, alínea b) da Diretiva Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001).

Mais em Comunicação