Novo regime do artigo 256.º-A do Código dos Contratos Públicos

Marco Real Martins analisa, neste texto, o novo regime em relação às alterações introduzidas ao Código dos Contratos Públicos, designadamente a sua aplicação à centralização das compras no setor da saúde.

O artigo 256.º-A do Código dos Contratos Públicos (CCP) constitui uma das principais novidades introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto (aplicável, por isso, apenas aos procedimentos iniciados após 31.12.2017). Na redação dada pela Declaração de Retificação n.º 36-A/2017, visando dar resposta a uma das principais (e certeiras) críticas dirigidas ao regime dos acordos-quadro, com especial enfoque nos casos em que as entidades adquirentes são obrigadas a recorrer aos mesmos para satisfazer as suas necessidades aquisitivas, a saber, a sua flexibilidade limitada decorrente do facto de “fecharem” o mercado, que assim fica limitado aos cocontratantes selecionados, durante o tempo de vigência dos acordos-quadro – ainda que, entretanto, outros operadores económicos, que não sejam parte dos acordos-quadro, consigam propor preços mais vantajosos que aqueloutros.

Com efeito, a afirmação da obrigatoriedade do regime dos acordos-quadro para as entidades adquirentes, sem quaisquer restrições, pode, em determinados casos, levar ao surgimento de soluções objetivamente não justificáveis.

Neste contexto, o novo artigo 256.º-A do CCP estabelece um regime que permite às entidades adquirentes, em determinadas situações, contratarem “à margem” desses acordos-quadro.

 

Contratar à margem dos acordos-quadro

Nos termos do artigo 256.º-A, a dispensa só ocorre se se comprovar que “a utilização do acordo-quadro levaria ao pagamento de um preço, por unidade de medida, pelo menos, 10% superior ao preço demonstrado pela entidade adjudicante para objeto com as mesmas características e nível de qualidade” (n.º 1). Trata-se, essa demonstração, de um ónus que impende sobre a entidade adjudicante, e que é pressuposto de legalidade de aquisição fora do acordo-quadro (quando este seja obrigatório, naturalmente), a fazer, documentalmente, aquando da decisão de contratar do procedimento de aquisição fora do acordo-quadro (o que pressupõe, primeiro, o cumprimento dos vários “passos” procedimentais referidos no n.º 7, cfr. infra).

O “preço por unidade de medida do acordo-quadro” a considerar é, no caso dos CPAs da SPMS em vigor (com vários fornecedores e nos quais pelo menos o preço é submetido à concorrência), “o mais baixo preço indicado pelos fornecedores nos procedimentos de aquisição ao seu abrigo” (cfr. alínea b) do n.º 2).

A este propósito, questiona-se como determinar qual é o “mais baixo preço indicado pelos fornecedores nos procedimentos de aquisição ao seu abrigo”? Não poderá ser o preço da última aquisição, pois esse critério está apenas previsto para os contratos ao abrigo de acordos-quadro na modalidade em que todos os termos da execução do contrato estão previamente fixados, o que não acontece no caso dos atuais acordos-quadro da SPMS (cfr. alínea a) do n.º 2).

A resposta a esta questão está no n.º 7 deste preceito legal:

“7 — Nos acordos-quadro correspondentes à modalidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 252.º:

a) A decisão de contratar ao abrigo do acordo-quadro deve ser tomada em simultâneo com a de remeter convite à entidade ou às entidades para efeitos do disposto no presente artigo; e

b) A apresentação das declarações e dos documentos previstos no n.º 3 do presente artigo, nos casos em que permita à entidade adjudicante demonstrar os requisitos do n.º 1, determina não haver lugar a adjudicação ao abrigo do acordo-quadro, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 79.º”

 

Síntese

Em resumo, pretendendo contratar à margem dos acordos-quadro da SPMS (em que pelo menos o preço seja submetido à concorrência e haja obrigatoriedade de aquisição ao abrigo dos mesmos), é preciso, sequencialmente, seguir os seguintes passos:

1.º – abrir um procedimento ao abrigo do acordo-quadro – para o efeito, simultaneamente com o envio dos convites aos cocontratantes do acordo-quadro, devem também ser enviados os convites às entidades (ou entidade, conforme escolha da entidade adjudicante) não integrantes do acordo quadro identificadas na decisão de contratar, nos termos da alínea a) do n.º 7;

2.º – requerer no convite, a essas outras entidades (ou entidade) não integrantes do acordo quadro (pois as entidades que integram o acordo quadro não podem apresentar as declarações e os documentos previstos no n.º 3, cfr. n.º 8), a apresentação das declarações e documentos acima identificados, conforme o caso, previstas no n.º 3, pois é essa a documentação que permitirá fazer a demonstração da poupança mínima, designadamente, prevista no n.º 1 (cfr. alínea b) do n.º 7: “…permita à entidade adjudicante demonstrar os requisitos do n.º 1…”), facto legitimador da aquisição fora dos acordos-quadro;

3.º – recebidas as propostas – das entidades abrangidas pelo acordo quadro e não abrangidas –  pode então ser feita a prova da poupança mínima referida no n.º 1: se o mais baixo preço apresentado nesse procedimento pelas entidades que integram o acordo-quadro for, pelo menos, 10% superior ao preço indicado por alguma das entidades convidadas (ou pela entidade convidada, cfr. supra) que não integram o acordo quadro, está feita essa demonstração. Nesse caso, esse procedimento (onde se convidou umas e outras entidades, abrangidas e não abrangidas pelo acordo quadro) culminará com uma decisão de não adjudicação “ao abrigo do acordo quadro”, devendo essa decisão de não adjudicação, bem como os respetivos fundamentos (que são precisamente a demonstração da poupança nos termos do n.º 1, com a intenção de promover a aquisição fora do acordo quadro), ser notificada a todos os concorrentes, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º, por força do previsto na alínea b) do n.º 7 do artigo 256.º-A do CCP.

Note-se o seguinte: não é dito na alínea b) do n.º 7 do artigo 256.º-A que esse procedimento (com convite a entidades abrangidas e não abrangidas pelo acordo-quadro) deve culminar com uma decisão de não adjudicação, mas sim que é determinado “não haver lugar a adjudicação ao abrigo do acordo-quadro”, o que significa que, em alguns casos (a saber, nos casos identificados em A) e B) infra – mas já não em C)), esse procedimento terminará com uma dupla decisão: (i) uma decisão de não adjudicação ao abrigo do acordo-quadro e (ii), se for o caso, com uma decisão de adjudicação da melhor proposta apresentada por uma entidade convidada não integrante do acordo quadro e que permita à entidade adjudicante demonstrar os requisitos do n.º 1 (designadamente a poupança mínima aí indicada). No caso referido em C), porém, é necessário promover um novo procedimento, autónomo daquele, a determinar conforme o valor do contrato, nos termos da parte II do CCP (cfr. o n.º 6: “… aquisição ou locação de bens ou aquisição de serviços fora do acordo-quadro segue o procedimento aplicável nos termos da parte II, ficando a entidade convidada vinculada a apresentar proposta no âmbito do procedimento pré-contratual correspondente, por preço não superior ao declarado…”).

 

Demonstração da poupança mínima

A comprovação da referida poupança é feita nos seguintes termos (n.º 3):

A) No caso de formação de contrato de aquisição ou locação de bens móveis ou de aquisição de serviços cujo preço contratual seja igual ou inferior a € 5000, mediante (i) uma fatura pró-forma ou um documento equivalente apresentado pela entidade convidada, bem como de (ii) uma declaração da entidade convidada de que o bem ou serviço tem as mesmas características e nível de qualidade dos bens ou serviços objeto do acordo-quadro.

Neste caso, ficando demonstrada a poupança mínima referida no n.º 1 e sejam obtidos os documentos (i) e (ii) supra (que comprovem aquela poupança e a equivalência dos bens/serviços), “a adjudicação pode ser feita pelo órgão competente para a decisão de contratar, diretamente sobre” o documento referido em (i) supra (a fatura pró-forma ou documento equivalente apresentado pela entidade convidada) (n.º 4).

Não obstante a lei não ser absolutamente explícita a este respeito, a proposta apresentada por essa entidade no procedimento referido no n.º 7 (que culminou com uma decisão de não adjudicação), é adjudicada nesse mesmo procedimento (cfr. a explicação acima), nos termos do n.º 4.

B) No caso de formação de um contrato de aquisição ou locação de bens móveis ou de aquisição de serviços cujo preço contratual seja inferior a € 144 000 ou, conforme o caso, a € 221.000, mediante (i) declaração da entidade convidada de aceitação do conteúdo do caderno de encargos do acordo-quadro, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao CCP e (ii) um “documento que contenha versão simplificada dos atributos da proposta, de acordo com os quais a entidade convidada se dispõe a contratar, incluindo os aspetos da execução do contrato aos quais a entidade adjudicante pretende que a entidade convidada se vincule”. Quanto ao documento referido em (ii), a norma em causa (cfr. (ii) da alínea b) do n.º 3) apenas requer a apresentação dos atributos das propostas (o preço, e quaisquer outros aspetos que sejam avaliados), bem como, quando aplicável, “os aspetos da execução do contrato aos quais a entidade adjudicante pretende que a entidade convidada se vincule” – estes últimos, apesar de a lei não o dizer de forma explícita, são os elementos exigidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, apenas aplicável a aspetos da execução do contrato não sujeitos à concorrência, i.e., não avaliados, definidos através de limites e não através de termos fixos, pretendo a entidade adjudicante a uma vinculação específica desse aspeto não submetido à concorrência dentro da baia permitida pelo Caderno de Encargos (ex: o Caderno de Encargos prevê um prazo máximo de entrega, e não um prazo fixo, requerendo-se aos concorrentes que se vinculem a um prazo específico, que pode ou não ser igual ao prazo máximo, sem que isso releve para efeitos de avaliação das propostas).

Neste caso, ficando demonstrada a poupança mínima referida no n.º 1 e sejam obtidos os documentos (i) e (ii) supra, estes documentos correspondem a uma proposta, seguindo-se, a partir daí – o termo “subsequente”, bem como a referência feita à equivalência dos documentos apresentados (da alínea b) do n.º 2) a uma proposta, previstos no n.º 5, induzem o entendimento de que o procedimento com convite a entidades abrangidas e não abrangidas pelo acordo-quadro, nos termos do n.º 7, é “aproveitado”, ou seja, é ainda no âmbito do mesmo (até por motivos de aproveitamento da atividade procedimental realizada) que será praticada a adjudicação da melhor proposta (apresentada por uma entidade convidada não integrante do acordo quadro e que permita à entidade adjudicante demonstrar os requisitos do n.º 1, se for o caso); podendo ainda ser invocada, a este propósito, a diferença de regime prevista nesse n.º 5 face ao n.º 6 do mesmo artigo (cfr. a explicação acima) –   o regime procedimental da parte II, nos termos do n.º 5 (parte final) do artigo 256.º-A do CCP (n.º 5: “… seguindo-se o procedimento subsequente conforme previsto na parte II”).

C) No caso da formação de um contrato de aquisição ou locação de bens móveis ou de aquisição de serviços cujo preço contratual seja igual ou superior a € 144.000, ou, conforme o caso, a € 221.000, (i) mediante declaração da entidade convidada de aceitação do conteúdo do caderno de encargos do acordo-quadro, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao CCP.

Sem prejuízo disso, é necessário que a entidade adjudicante demonstre a poupança mínima prevista no n.º 1 – e nos termos do n.º 7, como antes explicitado.

Neste caso, demonstrando a entidade adjudicante demonstre os requisitos do n.º 1, “a aquisição ou locação de bens ou aquisição de serviços fora do acordo-quadro segue o procedimento aplicável nos termos da parte II, ficando a entidade convidada vinculada a apresentar proposta no âmbito do procedimento pré-contratual correspondente, por preço não superior ao declarado no procedimento a que se refere o n.º 7.

Como referido, neste caso concreto, é necessário promover um novo procedimento, autónomo daquele, a determinar conforme o valor do contrato, nos termos da parte II do CCP (cfr. o n.º 6: “… aquisição ou locação de bens ou aquisição de serviços fora do acordo-quadro segue o procedimento aplicável nos termos da parte II, ficando a entidade convidada vinculada a apresentar proposta no âmbito do procedimento pré-contratual correspondente, por preço não superior ao declarado…”).

 

Marco Real Martins, advogado e sócio da BAS

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