O teletrabalho. E as despesas?

O Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, que regulamenta atualmente em todo o território continental o Estado de Emergência decretado pelo Presidente da República, volta a introduzir a obrigatoriedade da adoção de regime de teletrabalho.

Muito se tem falado sobre esta situação atípica que é a obrigatoriedade da adoção do regime do teletrabalho, e, em especial, dos seus “shortcomings”. Uma questão muito debatida é a possibilidade de o empregador comparticipar nas despesas inerentes à prestação da atividade a partir de casa, e.g. – Despesas com a eletricidade.

Em agosto de 2020 o Governo espanhol, devido à situação pandémica criada pelo  vírus SARS-CoV-2, implementou ,  a obrigatoriedade de em certas situações, do empregador ter de pagar as despesas do trabalhador que esteja a cumprir funções em casa. Já em Portugal a situação é ligeiramente diferente.

Ora, à luz do ordenamento jurídico português importa referir que o regime do teletrabalho não é uma novidade, já constava do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto. Atualmente, o regime do teletrabalho encontra-se previsto nos artigos 165 º a 171º do Código de Trabalho vigente, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro.

Quanto à questão das despesas com os acréscimos de consumo importa salientar as seguintes normas:

1. O número 1 do artigo 168º do Código do Trabalho estabelece que “na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respetivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas.”

Ora, daqui resulta uma presunção de que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação pertencem ao empregador, e duas obrigações – a primeira é a de que o empregador deve assegurar a respetiva instalação e manutenção desses instrumentos de trabalho, a segunda é de que cabe ao empregador o pagamento das despesas inerentes à utilização desses instrumentos.

2. O número 1º do artigo 168º do Código do Trabalho, prevê que “trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores”. Trata-se de um respingo do princípio da igualdade de tratamento de trabalhador em regime de teletrabalho.

Portanto, a solução legal é a de existir uma obrigatoriedade para com o empregador de este pagar as despesas inerentes à utilização de instrumentos de trabalho e.g. o uso de um computador tem custos de eletricidade e internet. Porém, o legislador do Código do Trabalho admite, que, por acordo das partes, todas as responsabilidades referentes aos equipamentos de trabalho e respetivas despesas de manutenção, reparação e consumos, possam ser assumidas pelo próprio trabalhador.

Ou seja, se o trabalhador não prestar o seu  consentimento, não será lícito ao empregador transferir unilateralmente para a esfera jurídica do trabalhador, as despesas inerentes à sua atividade laboral.

Como é que o acima exposto se articula com o regime atual (do número 1º artigo 5º, do Decreto n.º 3-A/2021)?

Ora, a situação atípica da obrigatoriedade da adoção do regime do teletrabalho em nada contamina o regime em si. Isto é, não só se mantém a presunção que os instrumentos de trabalho que o trabalho utiliza em casa pertencem ao empregador (que de acordo com o Decreto n.º 3-A/2021 deverá acautelar a situação do trabalhador não ter meios para laborar em casa), como também se mantém a obrigatoriedade de o empregador assegurar a respetiva instalação e manutenção desses instrumentos de trabalho e o pagamento das despesas inerentes à utilização desses instrumentos.

De resto, quanto à possibilidade de acordo entre as partes de que as despesas ficam ao encargo do trabalhador, o entender será o mesmo. É necessário acordo nesse sentido, caso contrário será ilícito ao empregador transferir unilateralmente para a esfera jurídica do trabalhador as despesas inerentes à sua atividade laboral.

No caso de não existir acordo sobre a matéria e de, consequentemente, as responsabilidades com as despesas inerentes aos equipamentos utilizados em regime de teletrabalho e respetivos consumos incumbirem ao empregador, coloca-se a questão de se saber como é que tais custos poderão ser determinados.

Nestas situações poderão admitir-se duas possibilidades. A primeira é a de que cabe trabalhador o ónus de demonstrar perante o empregador quais as despesas concretas em que incorreu por força da prestação de atividade em regime de teletrabalho. A segunda passa por o empregador estabelecer um valor fixo para todos os trabalhadores. Admite-se que a primeira hipótese tenha vincadas dificuldades ao nível de prova do acréscimo das despesas e que a segunda hipótese seja pouco satisfatória para alguns trabalhadores, contudo, face à situação de pandemia e quadro legal atual, são soluções às quais se concebe poder recorrer.

 

Departamento Laboral da BAS

Mais em Comunicação